terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

A fábrica SESC Pompéia.


Vou postar hoje no blog - Arquitetura em Palavras - uma entrevista que realizei durante minha Iniciação Científica. Foi um prazer imenso conversar pessoalmente com o arquiteto Marcelo Ferraz, uma experiência inestimável! Espero que gostem!

Conversa com o arquiteto Marcelo Ferraz (2008)

Marcelo é titular do escritório paulista Brasil Arquitetura junto ao arquiteto Francisco Fanucci e trabalhou com Lina Bo Bardi durante a construção da fábrica de Pompéia.


Gabriela Murayama: Marcelo, Minha pesquisa cientifica, “Experimento de Recomposição dos Significados nas Metrópoles. Estudo de Caso: A Fábrica SESC Pompéia” procura analisar a reconversão de edifícios antigos e as políticas culturais através da analise do espaço do SESC, bem como o significado desta atitude no meio urbano.
Este projeto é muito mais do que um projeto de reconversão, ele cria uma instituição através da reestruturação do espaço da Industria Gelomatic, constituindo este um modelo de patrimônio social, cultural e arquitetônico.
Esta entrevista busca encontrar respostas arquitetônicas para as atitudes de projeto da arquiteta, bem como entender sua visão pessoal, como participante deste projeto de reconversão.
Primeiramente então, sobre o SESC, qual sua visão sobre o edifício do ponto de vista de sua reconversão e qual a importância deste para a Historia da Arquitetura Moderna, segundo o seu ponto de vista e de autores, como Josep Maria Montaner que tem a Lina como a pioneira deste processo.

Marcelo Ferraz: é legal você ter citado este livro do Montaner, e talvez pudéssemos conduzir esta entrevista através das questões do livro “Modernidade Superada”.
É muito interessante porque ele, talvez mais do que o escritor Zeuli Lima, ele toma a Lina como uma crítica de arquitetura, é muito interessante pensar que uma pessoa, apesar dela ter escrito pouco, pensar sua arquitetura como uma arquitetura crítica, isso é legal, ela é uma critica através de seu foco, através da obra dela, ela esta fazendo uma crítica à arquitetura, e Montaner pega por este foco, e eu acho que alem os textos, algumas coisas que ela falava sobre arquitetura brasileira e também a sua maneira de fazer arquitetura, a obra em si ser a própria arquitetura e uma critica que reflete, questiona, apodera e propõe coisas; nesse sentido o SESC Pompéia é uma tese, um trabalho grande e que talvez seja uma obra madura dela onde ela pode experimentar desde o principio tido como um caráter pré-existente tanto do ponto de vista físico, como uma fábrica, diria os europeus, um casco histórico, que continha além da memória, continha uma vida, um uso ainda que pouco precário de atividades de lazer e de conivência, mas existia esse uso e ela toma isso como base do projeto, aquilo que ela encontra ali ela toma como base e quer manter essa atmosfera dessa convivência como futebol ainda que de uma maneira precária, o teatrinho, o churrasco de fim de semana, a fábrica era usada precariamente; o SESC comprou para demolir tudo mas ainda assim tínhamos esse uso e ela disse : “quero isso aliado à memória do trabalho dos homens”, que era um cotidiano da fabrica, de trabalho duro, de sofrimento do povo, e acho que ela parte desse mote que é muito forte, e que de certa forma representa a arquitetura dela nesses conceitos.

G.M: Inclusive tivemos informações de que a Lina chamava a arquitetura dela de “arquitetura do comportamento humano”, e também de que a importância do seu projeto no centro de lazer é o processo de construção da ideia, que segundo Roberto Cenni, engenheiro metalúrgico que trabalha ate hoje em dia no SESC, sua obra era para ter levado dois anos e levou 5, o que o você teria para nos contar sobre isso?
M.F.: Eu uso sempre esta frase, eu inclusive já escrevi um artigo com esta frase, eu escrevi isso, na verdade não é ela quem dizia que foi uma maneira minha de entender o trabalho da Lina, que é exatamente isso, ela estuda o comportamento dos homens, porque se você vai avaliar toda arquitetura altera o comportamento de quem usa...

G.M.: Aliás, isso no SESC é muito forte, os moradores locais, têm essa obra como deles...

M.F.: Exatamente, aquilo foi apropriado pelas pessoas, pela comunidade no sentido geral, não só pelos freqüentadores, mas por São Paulo, percebemos que se tem um sentimento de pertencimento muito forte, o SESC Pompéia em relação à cidade, as pessoas se sentem donos, o que é muito bom, porque arquitetura quando dá certo ás pessoas se apoderam, era exatamente o que elas queriam.

G.M.: Como você poderia descrever este projeto inusitado por não ser de gabinete, os procedimentos adotados por ela, e o tempo que Lina levou para desenvolver o projeto?

M.F.: Na verdade esta história de demorar e atrasar o projeto não são bem assim, foram nove anos, devido às próprias contingências de cronograma, do orçamento do SESC, tudo isso foi devido uma recuperação muito cuidadosa, tudo era experimentado no local, e isso era muito legal porque cada pedaçinho que se ia fazer, ia-se fazer um tipo de concreto ali e experimentava-se antes, instalações elétricas também se fazia um pedacinho antes e via como que ficava, porque ai eu acho que a Lina utilizou pioneiramente um conceito de arqueologia industrial muito interessante, naqueles anos, final dos anos 70 o tema arqueologia industrial tinha acabado de ser cunhado, de ser utilizado, eu tenho a impressão até que começou na Suécia, e o que era afinal a arqueologia industrial, é o sentido do resgate, da procura de uma memória, neste caso da indústria, que esta presente em todos os elementos de projeto, e tudo que você tem ali, apesar de não ser mais uma industria, as instalações são de um tipo industrial, então isso permeia desde a construção do SESC, aquela mudança de escala violenta, bem abrupta, quando você entra numa ruazinha aconchegante, e tem os tijolinhos de repente você vê aquele monstro, aquele prédio feito em concreto, aquelas passarelas... Aquilo é legal, aquilo é a linguagem industrial, a linguagem industrial não é mediada pela “proporção”, “pelas idéias de composição”, acho que um crédito a mais que a Lina desprezava, ela era permeada pela necessidade, ou seja, você tem uma fábrica, tem um escritório, esta já de bom tamanho, escala humana, ou seja, você precisa de um container pra por alguma coisa dentro, ele é gigante, tem uma turbina enorme, uma maquina é grande então, na indústria, não há essa mediação, tudo tem que corresponder há uma necessidade, toda aço da arquitetura- é a lógica da máquina- muito interessante isso, e a Lina gostava muito disso, ela respeitava muito as características da indústria, então ela tomou a arquitetura com essa característica de arqueologia industrial, ela faz um prédio grande, que numa indústria você tem uma diferença de escala abrupta, as instalações são todas de indústria, apesar de que não é mais para a função de uma indústria é para um centro de lazer, um centro de serviços, o restaurante, por exemplo, é um modelo industrial, e isso acho que é uma novidade pra época, ela gostava muito de falar sobre essa arqueologia industrial.
 
G.M.: E qual era o procedimento pessoal da arquiteta, ela acompanhava os operários a cada etapa do projeto, haviam grupos centralizados de serviço?

M.F.: Não, não existiu isso, essa idéia é equivoca, a Lina era muito rígida, acho que muito da imagem da Lina é folclorizada; parece que ela chegava e falava “então vamos fazer...” e não, não tinha nada disso não, ela tinha uma noção muito clara do papel do arquiteto, do papel do engenheiro, o papel do mestre de obras, só que talvez por ela ter essa clareza da posição de cada um na obra, que as coisas funcionavam melhor, ela projetava, comigo e com o André, éramos os três, durante todos esses nove anos dentro da obra só fomos três; nosso escritório ficava num cantinho, depois a obra chegou até agente pulamos para outro canto, e no final tínhamos um barraquinho perto do prédio novo; então o escritório ficou migrando o tempo todo, mas agente trabalhava fazia todo o trabalho de levantamento, resolvia as questões, detalhava ali dentro e fazia os experimentos vai fazer um pedacinho do azulejo, faz um pedaço aqui pra ver como que ia assentar. E o engenheiro era importante, o nosso escritório era junto com o escritório de engenharia, todas as reuniões e engenharia eram ali, de articulação, de coordenação, e os operários ficavam os dias inteiros na obra e nos passamos a reconhecer muitos operários interessantes que podiam fazer as experiências com mais habilidade.

G.M.: E sobre o Mestre Molina?  

M.F.: O Molina não era mestre de obra, ele era um artista popular ligado ao SESC, e ele chegou por lá depois da obra pronta, depois de inaugurada e o Molina encontrou ali um espaço interessante que ele podia fazer suas geringonças, na verdade ele já trabalhava, ele já era um artista, e ali teve um canto no qual ele pode trabalhar bastante, mas ele não era da obra. Da obra pegamos alguns operários importantes como o Paulista, Zezinho, Chicão, que depois a Lina escolheu esses operários, como ela já havia feito no MASP, não era uma novidade, escolheu alguns funcionários que fariam a manutenção do centro, e é muito legal porque você pega uma equipe que construiu, que gostou de construir, que conhece e que tem carinho por aquilo, e essas passam a ser as pessoas que vão fazer a manutenção.

G.M.: Como você vê a Lina, com todas suas obras, e o seu papel na Historia da Arquitetura?  

M.F.: Eu acho, sem duvida, que a Lina deu uma contribuição enorme na questão da reconversão, da reabilitação, recuperação da arquitetura, com seus diversos temas, e a contribuição dela é a coragem de tomar o passado não como um fato congelado, não como algo que está parado no tempo, mas tomar o passado tirando dele tudo aquilo que vive, é um pouco a teoria dela do “presente histórico”, aquilo que pode ser útil nos dias de hoje, na contemporaneidade, e a partir daí ela propõe: o que precisar mexer, mexe e se precisar demolir alguma coisa antiga, mesmo que seja tombado, tem que demolir, porque você tem que atender as necessidades, e isso é fundamental nas cidades atuais, da vida atual, a arquitetura tem que funcionar hoje, nem no passado nem no futuro, ninguém vive no passado e nem no futuro. Eu acho importante se pensar assim, das contribuições da Lina, isso é muito legal; mesmo como linguagem ela ajudou a tirar esse ranço do formalismo, arquitetura se formos pensar ate hoje a maioria dos arquitetos  trabalho com as questões de composição formal, questões que poderiam ser pensadas no século XIX, bem antes, nos primórdios da arquitetura moderna, que já ate deveria ter sido jogado no lixo à muito tempo, porque arquitetura deve responder à vida, ao comportamento humano, porque como é uma disciplina, que agente não sabe definir exatamente o que é arquitetura, se é arte se é técnica, mas é uma maneira de você interferir na vida do homem, de uma maneira muito forte, você pode mudar o comportamento das pessoas, você pode contribuir para com conforto das pessoas ou não, muitas vezes pode criar desastres numa comunidade com uma arquitetura, então a arquitetura tem essa função quase que intrometida vida das pessoas, então agente tem essa responsabilidade, sabendo q agente redesenhando, refazendo espaços e usos, agente esta mexendo com o comportamento das pessoas, não é uma formula mas ter essa noção, é importante para o arquiteto, saber que o que ele faz altera o comportamento humano.

G.M.: Quais os movimentos efêmeros da época dos quais a arquitetura é apenas um vestígio?

M.F.: Olha sobre isso eu não saberia te dizer, os movimentos culturais, agente nos anos 70 estávamos saindo da ditadura, do período ruim, foram anos duros, em que os movimentos culturais haviam sido muito reprimidos, mas era um tempo duro de ditadura, nessa época era muito difícil a expressão, havia censura no cinema, na musica em tudo, e o SESC era como um caminho, uma luz no fim do túnel, sua inauguração foi uma grande novidade, com exposições de arte popular, design, e a Lina era quem dirigia.

G.M.: A Lina era quem escolhia os artistas, havia uma predileção da arquiteta ou eles vinham para o SESC espontaneamente?

M.F.: Não, ela mesma quem convidava, ela tinha uma equipe grande, ela conseguia dirigir muito bem um grupo de pessoas, não só na obra, mas depois na programação junto com a equipe do SESC, e ai que o Roberto Cenni entra, ele foi assistente ali em algumas exposições. 

G.M.: Qual era a relação dela com a população nesta fase da obra concluída?

M.F.: A Lina não possuía relação alguma com a população, a Lina era muito recusa, não saia muito, era reservada, ela tinha era uma capacidade de observação muito grande, ela via pequenas coisas.

G.M.: E quanto a critica da funcionalidade do espaço do SESC Pompéia?

M.F.: Acho que essas críticas sempre existem, ela sofreu com a historia das cadeiras, quase que ela teve que abrir mão das cadeiras, porque os modelos das cadeiras ficaram lá uns dois anos, todo mundo sentava, mas daí o que acontece é que metade das pessoas amam, metade das pessoas odeiam, mas isso também faz parte do projeto, estava dentro do contexto daquele projeto, não é uma coisa solta, acho que foi legal ela ter feito isso, talvez hoje ela não conseguisse, os tempos mudaram muito.

G.M.: Pra finalizar, gostaria que você comentasse os marcos do SESC Pompéia, a lareira, o rio, as aberturas...

M.F.: A Lina foi muito definidora do projeto, ela discutiu muito com os coordenadores do SESC e o programa foi feito a partir de uma discussão não do que eles queriam, mas através da apresentação das decisões dela; ela quem decidiu como colocar os elementos no programa e onde, então a biblioteca é uma  umblioteca m decidiu como colocar os elementos no programa e onde, entao res do SESC e o progvoc que vestoes,
biblioteca de leitura leve, deveria ter livros, jornais... e eles diziam que não era preciso colocar mais nada ali, ela ate escreveu sobre isso, ela dizia: “eu coloco água e fogo” esta resolvida a historia, acho que as pessoas não precisam mais do que isso, sentam, lêem uma revista, ficam vendo o fogo no inverno, ficam vendo a água o ano todo, e acabo, isso basta para o projeto, ela queria uma coisa com pouca coisa, muita simplicidade, com poucos elementos você faz arquitetura também, cria espaços interessantes; então não houve nenhuma imposição do SESC, muito pelo contrário, foi uma idéia dela de fazer, a água através do rio e a lareira.

G.M.: Qual era o significado que ela procurava com o elemento da lareira e da água? 

M.F.: A água ela brincava, é o rio São Francisco, da união nacional, ou seja é um rio que liga os dois lados, e o fogo ela dizia que não era só para aquecer, você pode acender o fogo no verão, porque numa aldeia que não faz frio nunca tem sempre um foguinho, e a presença do fogo é uma coisa interessante, você não precisa ficar na beira do fogo com calor, mas sim ter a idéia de alguma coisa que esta viva ali do lado, acho que foi nesse sentido, mais do que a idéia de uma aldeia do que a residência dos operários, Quanto os buracos das quadras de esporte, temos várias interpretações, o André dizia : isso me lembra o buraco das cavernas”, na época tinha quem falasse “aquilo parece a guerra de Beirute”, Beirute na época estava sendo bombardeado, e ela dizia “é pode ser, pode ser também o buraco das cavernas, pode ser varias coisas” mas no fundo o que, que é, é  a idéia de não ser uma janela, ela falava que era pra ter ventilação aberta, então ela falava que ia colocar só uma treliça pra bola não cair lá fora, e em vez de fazer um quadrado, uma janela, que alias ela fez primeiramente uma janela quadrada, faço uma forma livre, e que depois foi adotado inclusive em outros projetos.

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